segunda-feira, 29 de março de 2010

Stranger Than Paradise


Filme: Stranger Than Paradise
Título Original: idem
Diretor: Jim Jarmusch
Atores: John Lurie e Richard Edson
Atriz: Eszter Balint
Ano: 1984
País: EUA




Jim Jarmusch é um de meus diretores prediletos. Tudo que ele faz é carregado de um estilo próprio que eu não sei ao certo de onde vem, um tempo incomum das cenas, um certo desconforto, algo que me atrai, não sei bem o que.

É possível teorizar em cima de sua cinematografia e dizer que seu principal tema é a tal da "incomunicabilidade". Presente desde Antonioni a Kar Wai, esta temática está sempre descaradamente presente nos filmes de Jarmusch, nos quais sempre há um estrangeiro, de outra língua, de difícil comunicação (ou nenhuma como o sorveteiro francês de Ghost Dog). Há o italiano em Down by Law, o índio em Dead Man, a família etíope em Flores Partidas e a avó (ou tia) e da prima húngaras em Stranger than Paradise.

Mas o estrangeirismo das personagens é a incomunicabilidade levada ao extremo, pois a falta de comunicação já está presente nos personagens, sejam eles de qualquer origem. A formação básica do filme são três personagens, John Lurie, seu amigo e a prima húngara. Eles viajam para visitar a tia (incrível personagem). E aí está colocada a história. O resto é desimportante. A bem da verdade, até esta história não interessa. O que importa é o modo como se relacionam e o modo como Jarmusch retrata.

Creio que a alma underground de Nova Iorque também tem importante influência neste filme e em muitos americanos independentes, como os primeiros do Scorsese. Abaixo, na cena do youtube, deixei uma ceninha muito interessante, que diz mais do que eu conseguirei expressar. A prima está no apartamento apertado e bagunçado ouvindo uma música. O enquadramento parece um pouco esquisito, chega John Lurie, desliga o som e dá um presente, meio sem jeito. É um vestido que nada tem a ver com o gosto dela, nem o dele. Mas, enfim, ele cumpriu o seu dever de bom anfitrião.

Como a maioria dos filmes que eu gosto (estou percebendo isso aqui), há aqui um humor sutil muito bom. Daqueles que o cara, muito cult intelectual, pode te xingar no cinema caso você ria da cena, como se você estivesse ofendendo a beleza da introspecção pós-gunteriana, acadêmico alemão que explicou a identificação dos indivíduos em torno de uma conjuntura nacional (um pássaro acaba de morrer).

Tem algumas pessoas que conseguem realizar obras que parecem feitas para conversar com você (comigo, no caso). Clarice Lispector, Kafka e Jim Jarmusch são exemplos disso.

Torrent: download aqui
Legenda: download aqui



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Semana que vem:
Luz e sombra. E cenários distorcidos.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Estréia Tulpan nos cinemas

Nesta sexta-feira estréia um filme desta lista, que nunca achei que fosse passar novamente por aqui, Tulpan.

Já o pensava como uma das relíquias deste blog e das dificuldades que teria para encontrá-lo.

Ele está planejado para entrar aqui no blog daqui bastante tempo, ainda, mas tem estréia nos cinemas paulistanos nesta sexta-feira, 26/03.

Assisti este filme do Cazaquistão na mostra de 2008. E é lindo.

Mais informações:

segunda-feira, 22 de março de 2010

Antes do Pôr do Sol


Filme: Antes do Pôr do Sol
Título Original: Before Sunset
Diretor: Richard Linklater
Ator: Ethan Hawke
Atriz: Julie Delpy
Ano: 2004
País: EUA, França


Existem dois tipos de pessoas no mundo, os que gostam deste filme e os que não gostam. Não que eu tenha visto muitos desta segunda espécie. Excelente para conquistar mulheres, porque não há uma que não se identifique com as neuroses e desesperos da personagem de Julie Delpy, por quem sou terrivelmente apaixonado. Ainda nesta introdução ainda vale lembrar que este filme me introduziu Nina Simone, minha musa inspiradora.*


Ao mesmo tempo despretensioso e ousado, Antes do Pôr do Sol é um filme maduro, que veio como uma luva para o momento em que vivia quando o assisti pela primeira vez, no cinema. É a sequência de um outro filme, chamado Antes do Amanhecer, mas não há comparação possível entre os dois. A diferença de qualidade entre os dois filmes, separados por 9 anos, é comparada a diferença de maturidade dos personagens, dos atores e da própria direção de Richard Linklater.
Em cima apenas do diálogo de dois jovens que passeiam por Paris, não há um momento desnecessário no percurso, não há um desvio, não há uma vírgula a se corrigir. Eis um filme que eu poderia ter feito - e adoraria ter feito. Devia ter feito.

Percebo agora certa semelhança na colocação deste filme aqui, logo de cara, com Uma Mulher é Uma Mulher, pois nos dois, o que mais me atrai é a personagem feminina. Aqui, Julie Delpy faz uma mulher perto dos trinta com seus conflitos pertinentes a idade e a incapacidade de conseguir um relacionamento maduro. Os diálogos, especialmente os que vem dela, são perfeitos. Ela finge que não se lembra tanto da relação que tiveram no passado, finge que não se importa, finge que está bem, mas desmonta quando eles estão no carro. Fala sem parar, vomita mil pensamentos presos e travados e chora. Ah, esses seres extra-terrestres - pensa o Ethan Hawke e olha para ela com um sorriso inevitável.

E o final, em seu apartamento, talvez entre em meu top five de finais de filme. Mas este só vale assistindo. Deixo abaixo uma pequena valsa, cantada pela musa Julie Delpy.

*Obs. recomendo os dois discos Antologhy, de Nina Simone, pois a musa fez algumas algumas bobagens por aí. Grandes amigos meus já me xingaram e quiseram me empurrar seus discos dos anos 80.

Torrent: download aqui


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Semana que vem:
Três personagens que não combinam e uma avó húngara.

segunda-feira, 15 de março de 2010

A Terra Treme


Filme: A Terra Treme
Título Original: La Terra Trema: Episodio del mare
Diretor: Luchino Visconti
Atores: Não atores que atuam sobre suas vidas
Ano: 1948

País: Itália



Existem muitos gêneros que eu gosto e seria muito difícil eleger um como o meu preferido. Existem muitas escolas cinematográficas que me agradam. Aliás, escolas que pregam determinada forma de se fazer cinema geram resultados sempre muito interessantes. Mas não consigo definir também uma como predileta.

Mas ao fazer esta lista de filmes, é perceptível que os italianos costumam me agradar mais. Há uma estética que surge na Itália que estará muito presente nesta lista, inclusive em filmes não italianos. Há uma alma que vêm, mais especificamente, da Sicília, que motiva os cineastas italianos a explorar o que há de belo e forte na pobreza da sua ilha sulista.

A Terra Treme é o ponto de início desta navegação e por isto entra logo aqui, de início. Revi o filme para poder escrever aqui e devo admitir que a narração, que eu não lembrava de existir, me incomodou, por ser muito incisiva sobre a interpretação das cenas. Ela toma um ar de dona da verdade e narra o sofrimento, explica o sentimento e as injustiças e dita os tempos das ações e diálogos.

Mas os personagens, os ambientes, os diálogos, a realidade com que toda a encenação ocorre é o que mais importa. Os atores são os próprios vivenciadores daquelas experiências. Antonio é Antonio, Rosa é Rosa, Nicola é Nicola. São pescadores, explorados pelos comerciantes locais, nunca organizados e, como diz a narração, uma tradição passada de pai para filho naquela comunidade.

O avô da família é um personagem que eu gosto bastante, apesar de pouco aparecer. O jovem neto que voltou do exército mais revoltado com aquela situação fica indignado com a exploração e o avô diz, ao modo siciliano: as coisas são assim e sempre foram e está tudo bem deste jeito. Me lembra um pouco o meu avô.

A "velha história" da exploração do homem sobre o homem, como diz o texto inicial do filme, se repete em diversos filmes neo-realistas italianos, em filmes brasileiros, americanos, iranianos. E onde quer que haja a mesma situação, haverá alguém se inspirando artisticamente (e criticamente). A tristeza e o sofrimento de um mundo ilógico e incompreensível, de um mundo que poderia ser mas não é, de um mundo duro, são as inspirações destas artes. Pois a solução para um mundo justo e bom parece tão ao alcance das mãos: basta que todos sejam bons e que haja amor entre as pessoas.

Mas, infelizmente, o mundo que sonhamos somos incapazes de realizar. Até mesmo os que chegam próximo do poder de transformação, pior ainda nesses casos, são incapazes de virarem a chave, ou de destruirem o anel. A força da injustiça dos sistemas parece maior do que toda a boa vontade de bons humanos.

Enfim, trata-se de um filme básico para a vida, para a compreensão do mundo a nossa volta, para o entendimento de determinada visão de mundo - não esquecendo da data histórica em que o filme foi feito - e, especialmente, é essencial para melhor assistir muitos outros filmes que por essa lista passarão.


(com legenda em português)




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Semana que vem:
um casal conversando. Só isso o filme inteiro. Mais um monólogo da mulher. Como falam essas mulheres! Mas como são lindas, especialmente essa.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Era Uma Vez no Oeste



Filme: Era Uma Vez no Oeste
Título Original: C'era una volta il West
Diretor: Sergio Leone
Atores: Henry Fonda, Charles Bronson, Jason Robards
Atriz: Claudia Cardinale
Ano: 1968
País: Itália, EUA


Quando alguém me pergunta o que é decupagem, eu respondo: Sergio Leone, mais especificamente, Era Uma Vez no Oeste. Cada corte do filme, a mudança de planos, o tempo entre cada um, o tempo dos diálogos e o desenvolvimento de cada cena é perfeito.

Este é um filme que poderia ser assistido por sequências. Como um livro em que cada capítulo funciona por si só (Vidas Secas, por exemplo). A sequência inicial - que eu coloquei no vídeo do youtube abaixo - é de uma maestria incrível. Apenas no ritmo dos cortes e de cada ação cria-se um clima de tensão com humor. Ou seja, faz-se com a decupagem a sensação que se quer passar.

Observação: decupagem é a maneira como uma sequência é pensada, dividida por planos. É possível usar diversos recursos para a criação de um clima, como o Woody Allen usa diálogos, Tornatore usa trilha sonora, Bergman usa expressões dos atores e Sergio Leone usa um conjunto deles que o torna brilhante.

Mas o que faz esse filme diferente? Pois existem muitos faroestes que procuram o mesmo espírito e não encontram. Fico pensando nessa resposta e não a encontro com facilidade, mas creio que se trata da maneira como o filme se enxerga. Ou seja, aqui existe uma grande consciência de que se trata de um filme, de uma grande encenação, de uma dança. Outros, que se levam muito a sério, acabam ficando chatos. A primeira vez que eu vi este filme, um pouco inesperadamente, não consegui parar de rir.

No final desta sequência inicial, o trem passa e ninguém desce. Os três pistoleiros viram as costas para partir quando ouvem a gaita de Charles Bronson. Lentamente se viram e lá está ele.
- Onde está Frank?
- Frank nos enviou.
- Vocês trouxeram um cavalo para mim?
Eles dão uma risadinha, só têm três cavalos.
- Bom, parece que nos faltará um cavalo.
- Não... acho que vocês trouxeram dois a mais...
tiros

Enfim, humor peculiar. Um tesão.

(já vem com váras legendas, inclusive em português, só tem que extrair do arquivo compactado)
Obs. este é um filme que vale ter em DVD, pois ele sempre está a venda, bem barato nessas lojas estilo Americanas.


segunda-feira, 1 de março de 2010

Uma Mulher é Uma Mulher



Filme: Uma Mulher é Uma Mulher



Título Original: Une Femme est Une Femme
Diretor: Jean-Luc Godard
Atriz: Anna Karina
Atores: Jean-Paul Belmondo e Jean-Claude Brialy
Ano: 1961
País: França

O que me encanta neste filme e na maioria dos filmes de Godard é a liberdade que ele tem para fazer cinema. Faz do jeito que quer, meio improvisado, meio sem roteiro, meio que um brasileiro jogando futebol. Usa e abusa dos recursos de linguagem e gosta de desafiar as regras. Não se pode quebrar o eixo. Ah, é? Não se deve usar cortes entre imagens muito semelhantes. Ah, não? Os atores nunca devem olhar para a câmera! Nunca?

Regras são motivações para Godard. E Uma Mulher é Uma Mulher é, na minha opinião, sua obra-prima. Não que os planos sejam extremamente elaborados, poéticos, enquadrados de forma a criar uma estrutura narrativa, etc. Pelo contrário, há no ar deste filme um clima de auto-consciência inexplicável. Os três atores brincam em sintonia, passeiam pelos espaços e entre a câmera, são parceiros ali da forma como nos passam esta conexão. Exemplo de cena brilhante. A menina (Anna Karina) está fritando um ovo, toca o telefone, ela taca o ovo pra cima, vai atender o telefone, fala, conversa, briga, depois volta e pega o ovo caindo.

Ainda há, na temática, algo que muito me interessa: a mulher. Muitas são as homenagens artísticas a esses seres extra-terrestres muito interessantes, mas este é demais. Especialmente porque a mulher, Anna Karina, é incomparável. Desde suas pequenas ações e reações ao modo como age a personagem, suas contradições mais bobas, suas reclamações mais tolas. É uma homenagem a um lado feminino pouco relacionado, uma homenagem a pequena garota com pequenos desejos, ao lado frágil e tolo da mulher, e não a uma mulher forte, governanta da casa e braço direito do marido.

Certa vez, li a sinopse do filme em um guia de cinemas de São Paulo, pois o filme iria passar em uma mostra ou algo do gênero. A sinopse era um tanto quanto ridícula. Algo como uma garota que quer engravidar e, para tal, faz de tudo para convencer o marido de aceitar a criança. Eu, que geralmente dou muito mais peso a análise de um roteiro do que outros fatores, devo assumir que este não é o forte aqui. Aliás, a falta de roteiro é que ganha força e sobrepõe uma certa falha estrutural no sentido mais clássico. Cada cena e cada relação de personagens e cada piada e cada momento tem muito mais força do que o conjunto, que não precisa ser levado muito a sério.

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(já vem com legenda em inglês e italiano)
Áudio original: Francês



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